Em Portugal, a distribuição e a situação populacional do lince-ibérico foram estudadas primeiramente a partir de inquéritos orais segundo metodologia proposta por Rodríguez & Delibes (1990), com base em dados de 1987 a 1996. A distribuição da espécie apresentou-se muito fragmentada, considerando-se a existência de cinco principais áreas de ocorrência: Malcata; S. Mamede; vale do Guadiana; vale do Sado; e Algarve-Odemira. Foram identificadas outras áreas de estatuto indeterminado como Gerês, Montesinho, Mira e serra de Ossa. Com base nesses dados, a população portuguesa teria cerca de 40 indivíduos, ocorrendo numa área total de 2.380 km2. As populações identificadas poderiam ter funcionado como metapopulações com zonas onde ocorria reprodução e outras de dispersão.
Uma análise temporal (desde 1930) e espacial da mortalidade conhecida permitiu verificar a persistência da mortalidade após a proteção legal da espécie (1967), definir o abate ilegal durante batidas e montarias como a principal causa de morte e conhecer a idade, sexo e destino dos indivíduos mortos, identificando “pontos negros” ao nível de freguesia.
Em duas áreas de ocorrência de lince foram realizados estudos de habitat do coelho-bravo, com base na contagem de vestígios e análise das relações com os diferentes tipos de habitat. Em ambas as regiões verificou-se que o coelho selecionava preferencialmente estevais e evitava culturas hortofrutícolas e eucaliptais. No entanto, existiam diferenças regionais no tipo de habitat selecionado. No Algarve, a distribuição de coelho-bravo possuía extensas descontinuidades e pequenas bolsas de abundância que coincidiam com áreas de avistamentos de lince.
Efetuaram-se dois estudos sobre a seleção de habitat pelo lince baseados em avistamentos e variáveis de habitat para os quais se realizou uma análise de regressão e se construiu um modelo. Apesar de ter havido variação entre áreas, verificou-se uma associação positiva com a presença de coelho-bravo em ambas as regiões e uma associação negativa com a presença humana. No Sado, esta última associação podia traduzir-se pelos montados sem matos e, no Algarve, pela rede viária, confirmando a importância da existência de tranquilidade para o lince-ibérico.
Os resultados obtidos na prospeção nas serras algarvias a partir de 1998, com pesquisa de indícios, armadilhagem para carnívoros e armadilhagem fotográfica, permitiram inferir que a escassez de vestígios de lince-ibérico encontrados – menos de 15 indícios após cerca de 300 h dispendidas - indicava ausência de animais residentes de forma estável e possível colapso da organização social.
O estudo genético analisou amostras pobres em ADN a partir de peles, animais naturalizados e dejetos. Posteriormente analisou-se uma zona específica do ADN mitocondrial que permitiu identificar dejetos de origem duvidosa, informação que complementou a monitorização de campo.
Foi construído um modelo teórico de viabilidade populacional específico para o lince-ibérico. A realização de simulações de cenários populacionais permitiu definir parâmetros que podem ser particularmente importantes para a viabilidade das populações de lince-ibérico: mortalidade dos adultos e extinção a curto prazo de populações na ausência de migrantes. As populações portuguesas poderão ser consideradas não viáveis, na ausência de conexão efetiva com outras populações ou reforço populacional.
As ações de informação e sensibilização decorreram nas áreas de ocorrência histórica de lince-ibérico, com um projeto escolar para os 1º, 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico. No âmbito deste decorreu um estudo sobre os conhecimentos, afetos e atitudes das crianças face ao lince-ibérico e ao ecossistema. Estas ações foram apoiadas pela edição de brochuras como o Gato Tobias e outro material. A informação e divulgação do lince-ibérico foram feitas através de uma exposição destinada a centros urbanos em 1996, de brochuras e cartaz com distribuição a nível nacional, e de palestras.
Em 1998, os trabalhos acima sumariados permitiram definir medidas de conservação do lince-ibérico em Portugal essencialmente em duas vertentes:
- classificação de áreas importantes para a espécie; e
- proposta de Plano de Ação Nacional.
A seleção das áreas considerou vários parâmetros entre os quais as particularidades da biologia do lince-ibérico e a vulnerabilidade de populações pequenas. As áreas foram então sujeitas à aplicação da Diretiva Habitats o que originou uma proposta técnica de classificação das mesmas.
Uma primeira versão do Plano de Ação do Lince-ibérico em Portugal, cujas bases se apresentaram em 1998, assumia como objetivo geral a estabilização das populações de lince-ibérico no nosso país, travando o seu declínio atual e assegurando a sua viabilidade a longo prazo. Para alcançar esse objetivo foram identificados problemas e avançadas propostas de ação relacionados com:
a) proteção da espécie e impacto humano;
b) gestão do habitat e presas;
c) legislação;
d) incentivos socioeconómicos;
e) sensibilização e informação; e
f) investigação e monitorização.
Em matéria de gestão de áreas foram realizadas intervenções no habitat em terrenos privados localizados nas serras algarvias decorrentes de contratos de gestão firmados com cinco zonas de caça associativa. Estas ações incluíram abertura de pastagens, instalação de marouços e realização de repovoamentos experimentais, para fomento de coelho-bravo. Paralelamente, parte das ações que decorreram em terrenos estatais pertencentes à Reserva Natural da Serra da Malcata foram também realizadas no âmbito do LIFE 1995-1997.